Por mais que a falta de recursos seja apontada como o segundo principal motivo pelo qual as startups fracassam – atrás apenas de não haver necessidade de mercado pela solução – acreditamos que seja preciso refletir sobre a pergunta: devo captar investimento para garantir o sucesso do meu negócio?
Para nós, a resposta é: depende, talvez sim, desde que seja o momento certo para isso.
Acompanhando empreendedores de impacto nos programas de aceleração, ao falarmos em aumentar o ritmo de crescimento, sempre chega o momento de pensar em captação, mas antes de calcular valuation, construir seu pitch deck ou bater na porta dos fundos de investimento, é preciso refletir sobre o momento do seu negócio e ter clareza do que significa a decisão de captar.
Neste texto falaremos sobre este assunto, focando na captação de investimento caracterizada pelo aporte de capital financeiro em troca de participação acionária na empresa (equity). Em textos futuros falaremos sobre outras modalidades, como o empréstimo.
Eu sei para quê preciso dessa grana?
Antes de começar uma rodada de captação de investimento, é importante se questionar se a empresa realmente precisa deste capital.
Já vimos diversos casos em que se a empresa tivesse captado antes, o dinheiro teria “ido para o ralo”, pois, por exemplo:
– o modelo de negócio ainda não estava refinado; – havia erros no controle financeiro e no entendimento da margem de lucro; – a estratégia comercial não trazia resultados; – a gestão e o time não estavam maduros o suficiente para suportar o movimento de crescimento; – o produto precisava ser refinado ou validado para se investir em tração – entre tantas outras situações.
Muitas vezes, essas ações podem ser realizadas apenas com investimento de tempo dos empreendedores e do time e com testes de soluções mais rápidos e baratos. Pode parecer estranho, mas esta costuma ser a maioria dos casos que acompanhamos no Quintessa.
É claro que estamos falando de investimento de alto risco, algo que é inerente ao venture capital. Mas, por alguns minutos, se coloque no lugar do(a) investidor(a).
Se você fosse colocar o seu próprio dinheiro, antes de investir 2 milhões em um plano grandioso e ousado, você não ia querer mitigar parte do risco e investir apenas 200 mil para validar algumas das hipóteses iniciais? Você não ia querer quebrar o plano em fases e ir alocando mais dinheiro à medida que as fases anterior fossem dando certo?
É disso que estamos falando no parágrafo acima.
Ainda assim, por outras vezes, precisa-se de capital inclusive para poder superar estes desafios. Neste sentido, é preciso muita lucidez para que o volume de capital captado seja condizente com o estágio da empresa (abaixo falaremos mais sobre isso) – e que, por captar um volume alto em um estágio de maturidade inicial (ou seja, com um valuation na maioria das vezes baixo), os empreendedores não diluam demasiadamente sua participação. É muito importante que uma quantidade considerável das ações continuem nas mãos dos sócios, no sentido de mantê-los engajados e comprometidos com o sucesso da empresa.
Assim, é essencial analisar de fato para quê a empresa precisa do investimento, pois a captação deve ser feita nos momentos em que você realmente sabe como utilizará o dinheiro para crescer, ou seja, tem um planejamento para como trará retorno aos seus investidores.
Captar leva (bastante) tempo!
Ao decidir captar, você precisa saber que muito do seu tempo agora será dedicado à captação – e que isso afeta seu tempo disponível para dedicação à operação da empresa. Durante os próximos 6 a 12 meses você provavelmente estará focado(a) na captação, mas precisará continuar tocando o dia a dia do negócio e, normalmente, com uma equipe ainda enxuta dependente da figura do(a) fundador(a) na operação.
Assim, é importante ficar atento(a) à performance da empresa durante essa fase. Um olhar para a divisão de responsabilidades entre os sócios ou o time executivo pode ajudar nesse período para evitar uma queda no faturamento.
Sabemos que, ao interagir com os investidores, é importante (ou no mínimo, ajuda) que a empresa esteja em um momento positivo, em uma trajetória crescente, após um período de boa performance. Por isso reforçamos a atenção nesse equilíbrio de tempo entre captação e operação, para que não afete seu resultado e não comprometa seus esforços com os potenciais investidores.
Durante o nosso programa de Assessoria para Captação de investimento, um dos nossos assessorados teve um valuation negociado para baixo no último mês de negociação, porque não estava batendo as metas do planejamento daquele ano. Imagine então, como o fundo iria acreditar que ele bateria as metas projetadas para os próximos quatro anos?
Além disso, dado que é um período relativamente longo, é fundamental se planejar para não ir à mercado “com a corda no pescoço”, ou seja, não começar a conversar com potenciais investidores com fôlego de caixa restrito e pouco tempo de sobrevivência da operação – para que essa situação não te pressione a fechar um acordo que não faça sentido para a empresa no longo prazo. Se você está pensando em contar com a entrada de investimento nos próximos 12 meses, comece a se preparar desde já para isso.
Quanto eu preciso?
Para determinar o valor captado é preciso ter clareza nos objetivos que pretende atingir com os recursos, como falamos no início deste texto. É preciso que valor e objetivo sejam condizentes.
Determine o quanto você quer captar focando no tempo que você precisa para chegar no próximo milestone – o próximo marco importante do seu business plan. Toda rodada de captação de investimento traz uma “tese” por trás.
Se você receber 1 milhão em investimento amanhã, o que espera alcançar com sua operação? A resposta para esta pergunta tem que estar muito clara e embasada.
Com 1 milhão, espero duplicar meu faturamento / diminuir a retenção de clientes em X / estruturar área de vendas com geração de leads de Y.
Tão importante quanto saber o resultado esperado é ter clareza do caminho para buscá-lo. Ou seja, onde você investe este 1 milhão?
A resposta não pode ser “vou investir em tecnologia” ou “100 mil para impulsionar vendas”. É necessário ter clareza de qual é o melhor uso do recurso, porque é a melhor maneira de garantir que está pegando um dinheiro que realmente precisa e dá clareza e confiança ao investidor de que seu plano é factível.
Defender um valor muito baixo para um objetivo muito grande pode soar como despreparo, bem como o contrário pode parecer inexperiência. Além disso, captar para um período menor do que 18 ou 24 meses pode ser ruim, por fazer com que, mal finalizada a rodada de captação anterior, você já precise começar a se dedicar para a próxima. No outro extremo, captar a mais do que você precisa pode aumentar de forma desnecessária a pressão por rentabilizar o valor. Assim, não aborde os potenciais investidores com um discurso de que “preciso de 2X, mas só o valor X já funciona”.
Ouvimos também empreendedores dizendo que estão captando investimento para financiar X meses de operação, mas os investidores não estão interessados em financiar somente o andamento da operação, eles querem saber o que você espera atingir de resultado com esse investimento, para que o valor aportado na sua empresa possa gerar retorno para eles. Tenha isso muito claro: eu preciso de X valor para atingir A, B e C resultados.
É claro que o business plan pode mudar e dificilmente a realidade seguirá exatamente o que está projetado nele, mas lembre da essência, do foco em garantir que o próximo milestone seja atingido e a tese da rodada seja comprovada.
Para cada estágio de negócio, existe um valor a ser captado e um perfil de investidor mais adequado tipicamente. No Brasil, os valores costumam seguir as faixas indicadas abaixo (em reais):
Nos Estados Unidos, os parâmetros são outros, por se tratar de uma indústria muito mais estruturada e desenvolvida que a do Brasil.
Explicitando algo que está implícito na imagem, à medida que o negócio vai amadurecendo, tendo mais hipóteses validadas e com isso, mais risco mitigado, ele consegue captar valores de investimento mais altos.
Além disso, esses parâmetros típicos do mercado podem chegar a influenciar o valor a ser captado. Tanto no sentido de te guiar sobre um intervalo que faz sentido focar, por exemplo, se você está na fase de validação, ainda realizando os primeiros testes para entender seu cliente, sua dor e solução potencial, você deveria captar um valor junto a anjos ou no máximo investimento semente (seed). Como também no sentido de adequar o valor captado para ter um melhor valuation.
Por exemplo, há políticas de fundos que sempre entrarão com 25% de participação nos negócios. Sendo este parâmetro fixo, se você captar 5 milhões ou 10 milhões, o que está variando é o valuation da sua empresa, ficando maior ou menor. Assim, pode haver uma variação dentro do intervalo saudável para sua captação, por exemplo, dentro do intervalo entre 150 mil e 250 mil reais (mas não entre 150 mil e 1 milhão, que já isso significaria tentar migrar para outro estágio de captação).
Um aspecto também representado na imagem é a ponderação sobre a participação nas ações da empresa que é saudável que esteja com os fundadores/empreendedores que tocam a operação. Em casos em que os empreendedores se diluem muito no início, isso pode inibir que outros potenciais investidores entrem depois, por acreditar que os empreendedores não estarão motivados a tomarem riscos e tocarem a operação por uma participação acionária tão pequena.
Vale apenas dizer que estes são parâmetros típicos do mercado. Negócios que envolvem altos investimentos no início (seja pela tecnologia ou equipamentos demandados) tendem a fugir deles – mas ainda assim consideramos útil que você saiba o que provavelmente estará como referência na mente dos investidores.
Por último, estamos falando dos valores aportados dentro da empresa (cash in), não considerando valores pagos pelos investidores diretamente aos sócios (cash out). Este nosso foco se dá por entender que hoje é muito difícil encontrar investidores que concordem em pagar para um sócio embolsar para si os recursos, por enxergarem que, pelo estágio dos negócios, ainda é o momento de investir no crescimento da empresa e apostar no seu sucesso, ao invés de já garantir um patrimônio financeiro no curto prazo. Além disso, o valor aportado na empresa tem o potencial de se rentabilizar, enquanto o valor pago diretamente aos sócios não trará retorno ao investimento.
Outras reflexões importantes
Uma vez que você fez uma rodada, você é responsável por rentabilizar o recurso do(a) investidor(a), o que significa fazer outras rodadas futuras. No fim, a decisão de captar com um investidor anjo já é a decisão de captar depois uma Série A, B, etc. ou vender a empresa para um(a) investidor(a) que pague um valuation maior do que aqueles que investiram antes dele(a).
Assim, antes de tomar a decisão, vale avaliar a possibilidade de crescer em um ritmo mais lento, esperando a empresa faturar, gerar lucro e com isso, gerar caixa – e então ir realizando os novos investimentos. A decisão de trazer capital externo costuma viabilizar um ritmo de crescimento mais acelerado, mas também é uma decisão que pode mudar a forma da empresa operar a longo prazo. Além disso, você passa a ter um(a) “chefe”, alguém para quem terá que prestar contas e se alinhar sobre decisões, então considere o “pacote completo” do que decidir captar significa.
Ao se preparar para captar, é importante também já ir refletindo sobre algumas decisões que você terá que tomar mais adiante, no momento de assinar o contrato. É padrão do mercado, por exemplo, determinar em contrato um tempo mínimo para os sócios permanecerem na empresa, ou ainda, um termo de não competição, expressando que você não poderá atuar no mesmo mercado ao sair da empresa. Por isso é importante pensar, desde já, sobre o que você e seus sócios querem pessoalmente para o futuro.
Além disso, é muito importante que os sócios estejam alinhados sobre a decisão de captar, bem como sobre a tese da rodada, bem como sobre os termos de contrato que citamos acima. A divergência entre sócios é um elemento nítido de se perceber e influencia muito no distanciamento de potenciais investidores.
Há um certo mito no campo do empreendedorismo, com pessoas enxergando a captação de investimento como uma “linha de chegada”, como um indicador de que a empresa já teve sucesso – mas vale tomar cuidado com esta ilusão. Na realidade, trata-se de uma nova linha de partida, com novas responsabilidades e compromissos a longo prazo – e que significará “sucesso” a depender do resultado dela.
Este texto tem o papel de te estimular a refletir antes de tomar esta decisão. Em seguida, conheça os diferentes tipos e modalidades de capital e critérios utilizados pelos investidores.
Sugerimos também algumas leituras e materiais para se aprofundar no assunto:
Termos mencionados no texto:
Business Plan: plano de negócios – um estudo da viabilidade do negócio, estratégia de crescimento, riscos e projeções futuras. CAC: Custo de Aquisição de Cliente. IPO: sigla para Initial Public Offering, ou Oferta Pública Inicial, momento em que a empresa abre o seu capital na Bolsa de Valores. PE: sigla para Private Equity, tipo de investimento voltado à empresas mais estruturadas. Pitch Deck: apresentação feita para investidores, que mostra um panorama geral da empresa e da tese da rodada de captação. Seed: capital semente, investimento entre 500 mil e 2 milhões em uma empresa. Série A, B: nomes dados para cada rodadas de investimento, começando com a série A e crescendo à medida que o valor investido aumenta. Valuation: é o valor que determina o quanto sua empresa vale, utilizado como base na aquisição de ações. VC: sigla para Venture Capital, ou Capital de Risco, um tipo de investimento focado no crescimento rápido de empresas, muito comum no ecossistema de startups.
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